(
Leia com calma e atenção... ou então não leia!)
Notícia divulgada no
site da Prefeitura (
Angra tem resultados positivos no Ideb) alardeou o resultado no
IDEB-2011 obtido pela educação municipal. É fato que houve, sim, um crescimento no índice de Angra. Vejam a evolução:

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mas é necessário analisarmos com carinho este resultado, para não cairmos no "
conto do vigário". Para isso é importante sabermos como é calculado o Ideb e os critérios para que uma escola participe ou não deste cálculo.
O Ideb (
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) tem a
intenção de ser um indicador da "qualidade da educação". Foi desenvolvido de forma a sintetizar informações sobre o "
desempenho" em exames padronizados (
Prova Brasil ou Saeb) com informações sobre "
rendimento" escolar (
taxa média de aprovação dos estudantes).
Ao combinar o resultado do "
desempenho" com o "
rendimento" escolar o Ideb pretende atender às seguintes premissas:
a) Um sistema educacional em que todos os alunos concluem o ensino médio no período correto (bom "rendimento"), não é de interesse caso os alunos aprendam muito pouco (mau "desempemho") na escola;
b) Um sistema que reprova sistematicamente seus estudantes (mau "rendimento"), fazendo com que grande parte deles abandone a escola antes de completar a educação básica, não é desejável, mesmo que aqueles que concluem essa etapa de ensino atinjam elevadas notas (bom "desempenho") nos exames padronizados;
c) Um sistema de ensino ideal seria aquele em que todas as
crianças e adolescentes tivessem acesso à escola, não desperdiçassem tempo com repetências, não abandonassem a escola precocemente (bom "rendimento") e, ao final de tudo, aprendessem (bom "desempenho").
Fórmula de cálculo:
Ideb = N . P
onde:
- N = "desempenho" dos alunos nas provas de matemática e português, com o valor da média variando de 0 a 10;
- P = "rendimento", baseado na taxa de aprovação dos alunos, com indicador (inverso do tempo médio de conclusão de uma série) variando entre 0 e 1.
Por exemplo: uma escola cujo "
desempenho" na Prova Brasil é
5,0 e o tempo médio de conclusão de cada série é de
2 anos ("
rendimento") terá o Ideb igual a 5,0 multiplicado por 1/2, ou seja,
Ideb = 2,5. Já outra escola com média na Prova Brasil igual a
5,0 e tempo médio para conclusão igual a
1 ano terá Ideb igual a 5,0 multiplicado por 1/1, ou seja,
Ideb = 5,0.
Agora vejamos quais os principais
critérios para que uma escola pública
não entre no cálculo do Ideb:
a) As que realizaram a Prova Brasil/Saeb, mas não prestaram informação ao censo escolar sobre os alunos aprovados e, por isso, não tiveram a taxa de aprovação calculada;
b) As que não realizaram a Prova Brasil/Saeb por terem menos de 20 alunos matriculados nas séries avaliadas, conforme declaração prestada ao Censo Escolar;
c) Escolas que não aderiram à Prova Brasil;
d) Escolas em que o número de alunos participantes da Prova Brasil foi inferior a 10 ou não alcançaram 50% dos alunos matriculados na série avaliada, posto que, do ponto de vista metodológico, tal contingente não refletiria o resultado de toda a escola.
e) As que implantaram o Ensino Fundamental de nove anos em 2008 e requereram ao INEP a não divulgação de seus resultados na Prova Brasil e no Ideb 2011 até fevereiro de 2012.
Tudo isso posto, percebe-se que, apesar da "amarração" entre os dois fatores ("
rendimento" e "
desempenho") na fórmula do Ideb,
é possível adotar estratagemas para melhorar o Índice sem que a aprendizagem avance. Como? Por exemplo:
a) Implantando políticas municipais arbitrárias de aprovação automática dos alunos, o que resulta em crescimento artificial do fator P ("rendimento");
b) Omitindo ao Inep informação do censo escolar sobre os aprovados nas escolas onde o gestor da educação municipal sabe - ou prevê - que o resultado da Prova Brasil será baixo; assim a escola não entra no cálculo do Ideb;
c) Quando o indicador de rendimento já está alto, pode-se usar o artifício perverso de reprovar os piores alunos para evitar que façam a Prova Brasil; assim não correm o risco de que esses alunos tenham desempenho ruim na prova e baixem o Ideb da escola e do município.
O
Inep, instituto de pesquisa que calcula o Ideb, trabalha a partir das informações sobre aprovação escolar (
Educacenso) que
recebe dos municípios e apesar de admitir que as práticas acima podem acontecer -
práticas que facilitam a promoção do município, distorcendo o resultado do Ideb -, nem o Inep, nem o Ministério da Educação possuem ações específicas para acompanhar eventuais casos em que a
taxa de aprovação possa estar errada ou tenha sido inflada.
Agora,
voltando ao assunto, vejamos
o que aconteceu com o indicador de
rendimento (
fator P) no nosso caso, Angra dos Reis:

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Observem o gráfico acima e vejam que
em todas as séries, sem exceção, houve um
aumento de 2005 para 2007 e uma
queda de 2007 para 2009. Já de 2009 para 2011 os valores
voltaram a crescer significativamente, alguns aproximando-se muito e até superando o
índice 0,9. Vale ponderarmos que o
valor 0,9 só foi atingido nas cidades onde a educação pública é de
reconhecida excelência ou onde o Inep já identificou que
pode ter havido manipulação dos índices.
Outro ponto é que
Angra tem 40 escolas municipais que oferecem educação até a 4ª série e em
8 delas não houve cálculo do Ideb. Na educação da 5ª a 8ª série são
14 escolas e em
2 o Ideb não foi calculado.
Agora veja o histórico 2005-2011 da nota média padronizada -
desempenho - (
fator N) da Prova Brasil nas
40 escolas de 1ª a 4ª série e observe que
só em 19 delas houve aumento:


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Nas
14 escolas de 5ª a 8ª série houve
aumento em apenas 8 delas:

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Fica aqui a pergunta para os leitores que tiverem mais de 2 neurônios:
Considerados os gráficos acima, qual a razão de Angra ter conseguido alcançar um Ideb alto em 2011?
Para encerrar este longo e complicado post (
e não conclusivo), algumas
observações e considerações (compiladas da Internet) de quem entende mais de educação do que o
Transparência Angra:
- "Uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) listou, num universo de escolas que tiveram bom desempenho na Prova Brasil, os fatores que favorecem os resultados positivos, mesmo quando as condições são as mais adversas possíveis: um diretor atualizado e que exerce uma liderança, o investimento na carreira e na valorização dos docentes (bom nível salarial, formação inicial e continuada e tempo para estudar), uma escola acolhedora (limpa, não degradada) e uma política forte de incentivo à leitura são alguns fatores que favorecem a melhoria da qualidade."
- "Nos dez países mais bem posicionados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) os professores são selecionados entre os melhores alunos de graduação. É o que ocorre na Finlândia, onde o corpo docente é integrado pelos 5% de melhor desempenho na graduação. No Brasil, é o contrário, os alunos de licenciatura costumam vir do grupo dos menos preparados e, entres os que se formam, muitos não seguem a carreira do magistério porque ela é pouco atrativa."
- "Qualidade do ensino não significa apenas reduzir a reprovação e melhorar o desempenho em provas sistêmicas, ainda que esses sejam objetivos a serem perseguidos. Embora o Ideb possa ser útil, ele é mais um indicador de resultados que da qualidade. Para ser um indicador de qualidade, ele teria de incluir as condições de oferta (fundamentalmente, insumos financeiros) e os processos pedagógicos a que o aluno é submetido."
- "É fundamental ter em mente que o Ideb pode ser útil como um elemento para nortear ações de melhoria da qualidade da educação, mas nem tudo pode se resumir a ele. Afinal, entre o mundo das estatísticas e dos indicadores e a realidade da sala de aula, existe um longo caminho a ser percorrido. Que, sem dúvida, não passa pelo interesse de quem quer apenas garantir votos na próxima eleição."
Pense bem a quem você vai dar seu voto na próxima eleição. Ensino de qualidade é garantia de um futuro melhor para seus filhos, para seu município, para seu país e para o mundo.