"Posso não concordar com uma só palavra do que dizes,
mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las."
- Voltaire

quarta-feira, novembro 12

Corrupção - História 2

Dia 3 de Novembro, na postagem Corrupção - História 1, comentei sobre o início da escalada da corrupção. Naquela época, início dos anos 80, dizia-se que a corrupção era o lubrificante que desemperrava a máquina burocrática. O objetivo não era conseguir vantagens contratuais ou pessoais, mas sim minimizar os efeitos de uma burocracia burra que atrapalhava a construção de hidrelétricas e estradas, a modernização dos Correios, a extensão de linhas de transmissão de energia e outros serviços sem os quais não teríamos chegado ao nível de desenvolvimento em que estamos hoje, podem acreditar. A "moral" daquela história foi: a possibilidade de se corromper quase todos.

A história que vou contar hoje se deu numa cidadezinha do interior da Amazônia, já no fim da década de 80. Chegar lá por via terrestre era uma aventura de quase 10 horas. Isso fora do período das chuvas. Nas chuvas a viagem por terra era impossível.

Pelo ar, pegávamos um pequeno monomotor que decolava de Manaus. Ainda não havia GPS. O piloto tomava o rumo e voava 80 minutos até encontrar o ombro de um morro, a única referência visível num mar de árvores. Se não avistasse o tal morrote - por conta de ventos ou névoa - voltava para Manaus antes que o combustível acabasse e a viagem ficava para o dia seguinte. Quando o morro era encontrado o avião circulava sobre a cidade para avisar de sua chegada. Uma Kombi ia até a estrada e colocava dois cavaletes de madeira fechando a passagem para os carros e o avião pousava.

Era uma cidade que prosperava rapidamente e já estavam se instalando por lá delegado, juiz, promotor, prefeito, vereadores, associação comercial e outros indícios de progresso. Como é normal, juízes, promotores, delegados em início de carreira eram os indicados.

A sociedade influente local, incluindo os políticos, era formada por famílias tradicionais que enriqueciam na extração clandestina de ouro, exploração de madeira, grilagem de terras indígenas e outras atividades lucrativas e ilegais.

Sempre que qualquer autoridade chegava à cidade - em substituição àquela que fora transferida para uma comarca mais próxima da capital, era recebida com uma bela casa para morar ("até que se instalasse melhor"), banda de música, comemorações, passeios de lancha pelo rio e festas em sua homenagem promovidas nas fazendas, no Clube Municipal ou no Iate Clube. Imaginem como um jovem e pouco experiente ocupante de cargo público de poder se sentia ao ser recebido com tamanha pompa e mordomia.

Eu pensava, com meus botões: "Lamentável o que está ocorrendo com esse jovem de carreira tão promissora! Sua inexperiência não o deixa perceber que está sendo, sutilmente, corrompido. Como poderá agir, quando for necessário, contra esses que se apresentam como seus amigos e protetores de primeira hora?"

Já se falava em Brasília que a corrupção não mais "lubrificava" a burocracia. Crescera tanto que estava afogando, quase parando a máquina. Foi quando decidi largar tudo aquilo.

Hoje, chega a ser difícil compreendermos o que é ou não corrupção, de tanto que se expandiu e se impregnou em todas as atividades e classes sociais. Chegamos a receber comentários neste Blog dizendo que criticamos os "Cargos em Comissão" por inveja, vejam só. A que ponto chegamos!

E observem que pouco importa quanto tempo as autoridades fiquem na cidade. Não faz diferença se é por um ano, um mês ou um dia. A corrupção está preparada para qualquer situação e só a participação ativa da sociedade, fiscalizando e cobrando, pode evitar seus males.

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